“Eu sou normal, eu faço tudo que outras pessoas fazem, eu namoro, eu estudei, eu me especializei. Eu só tenho uns choquezinhos de vez em quando no meu cérebro”. É assim com bom humor que Fernanda Bittencourt Hahl encara a epilepsia. Diagnosticada há 12 anos, ela enfrenta a desinformação e preconceito sobre a doença compartilhando conhecimento sobre o tema pelas redes sociais. No Dia Mundial de Conscientização sobre Epilepsia ou Purple Day, comemorado em 26 de março, as experiências da Fernanda são um exemplo da importância de se falar sobre a epilepsia e de quebrar estigmas que ainda são um obstáculo na vida de quem tem a doença.
A primeira crise convulsiva aconteceu quando Fernanda tinha apenas um ano e meio de idade e ficaram frequentes a partir dos 16 anos. “Eu estava em um restaurante almoçando com amigos e, do nada, eu convulsionei. Ninguém esperava. Foi um susto para todo mundo e ninguém sabia como lidar com aquela situação. Tanto que tentaram colocar a mão dentro da minha boca, não anotaram o tempo da crise. A partir daí, foi uma crise atrás da outra. Até atravessando a rua eu tive crise, por sorte eu estava acompanhada”.
O diagnóstico de epilepsia ainda demorou seis anos. O tratamento controlou as crises convulsivas, mas as crises de ausência permanecem e afetam a memória da Fernanda. “Toda crise de ausência fica uma espécie de cicatriz no meu cérebro e a memória é uma das funções mais afetadas e a minha é péssima. Eu já viajei bastante, fui para a Áustria onde minha irmã mora, fui para a China e não lembro. A única coisa que eu lembro da China, porque tem vídeo e lembro da textura, é eu comendo escorpião. De quando subi na Muralha da China, eu não lembro”.
O lado mais perverso da doença, o preconceito, só se revelou para Fernanda quando ela entrou no mercado de trabalho. “A discriminação é absurda. Eu não paro em um emprego. Quando eu fazia faculdade e era estagiária era uma coisa, mas depois que você se forma é muito difícil”, conta ela que é especializada em Educação Especial e foi demitida após uma crise.
Para a presidente da Associação Brasileira de Epilepsia (ABE), Maria Alice Susemihl, é preciso pensar em uma legislação que garanta amparo às pessoas com epilepsia quando necessário. “A epilepsia não é uma deficiência. Muitas pessoas relatam que na primeira crise perdem o emprego. É preciso pensar na funcionalidade desse trabalhador e não na doença. Existem diferentes tipos de crise e cada caso é um caso e precisa ser avaliado individualmente. Nem todos precisarão de proteção, mas alguns precisam sim desse amparo”.
Por isso, a campanha de conscientização da ABE este ano tem como lema: Quem vê cara, não vê epilepsia. “Queremos mostrar que o seu médico pode ter epilepsia, o seu professor pode ter epilepsia. 70% das epilepsias são controladas com medicamento e as pessoas têm uma vida normal”, alerta a presidente da ABE.
A Assembleia Legislativa do Paraná também participa do Purple Day, Dia Roxo ou Dia Mundial de Conscientização sobre a Epilepsia em uma parceria com a Unale (União Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais) e com a Frente Parlamentar Interestadual em Defesa dos Direitos das Pessoas com Epilepsia. Durante a semana balões roxos foram colocados no jardim da Assembleia Legislativa. Neste dia 26 será realizada a soltura deles para marcar a data. “A epilepsia é uma doença extremamente estigmatizada, as pessoas sofrem preconceito, exclusão no trabalho e até mesmo dentro da própria família. A importância de se ter um dia de conscientização é trazer atenção sobre a doença e educar a população sobre primeiros socorros e sobre alguns conceitos errados sobre a doença. A epilepsia é uma doença do cérebro e qualquer pessoa pode ter”, ressalta Maria Alice.
O Purple Day foi criado em 2008 no Canadá por Cassidy Megan, que na época tinha apenas nove anos de idade. Além de levar informação sobre a doença para toda a população, Cassidy queria mostrar para as pessoas com epilepsia que elas não estão sozinhas. A campanha de conscientização acontece simultaneamente em mais de 100 países. Para Fernanda, a forma de apoiar quem enfrenta os mesmos obstáculos que ela foi criar o canal no Youtube “EPIsódios da Fer”, onde fala da doença de forma clara, simples e objetiva. Segundo Fernanda, a pandemia causada pelo coronavírus é uma amostra do isolamento social enfrentado diariamente por quem tem epilepsia. “A pandemia está ajudando muito as pessoas a terem noção do que uma pessoa com epilepsia sente. A pandemia mostra a importância do contato social. Quem tem epilepsia vive um isolamento social constante e isso não faz bem para o cérebro”.
A doença - A epilepsia é uma condição caracterizada pela atividade elétrica anormal do cérebro, uma atividade neuronal excessiva que pode causar convulsões, comportamentos e sensações incomuns e até a perda de consciência. A doença pode ter consequências neurológicas, cognitivas, psicológicas e sociais. Entre as principais causas da epilepsia estão lesões no momento do nascimento, lesão cerebral traumática, infecções cerebrais como meningites ou encefalites e acidente vascular cerebral.
A estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que 50 milhões de pessoas tenham o diagnóstico de epilepsia em todo o mundo, com o registro de dois milhões de novos casos todos os anos. O relatório Epilepsy, a public health imperative (Epilepsia, um imperativo de saúde pública em tradução livre para o português) divulgado em 2019 pela Organização Mundial da Saúde em parceria com organizações não governamentais que tratam do tema aponta que três quartos das pessoas que vivem com epilepsia em países de baixa renda não recebem tratamento adequado, o que aumenta o risco de morte prematura desses pacientes. A morte prematura é três vezes maior em pessoas com epilepsia na comparação com a população em geral.
O documento revela ainda que 25% dos casos de epilepsia podem ser prevenidos com ações de atenção primária, como o reforço nos serviços de atenção à saúde materna e neonatal, controle de doenças transmissíveis (como a meningite), prevenção de lesões (acidentes), e cuidados com a saúde cardiovascular.
Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), dois terços dos países da América Latina e do Caribe não possuem um programa para o atendimento integral de pessoas com epilepsia. Fator que interfere diretamente no acesso aos medicamentos adequados, que podem acabar com as crises em até 70% dos pacientes. A falta de uma legislação adequada sobre a doença atinge 80% dos países latino-americanos.
Como ajudar - As crises acontecem de forma inesperada e repentina, por isso é importante saber como agir. Caso você presencie algum episódio convulsivo é fundamental manter a calma e seguir as orientações abaixo:
- tente evitar que a pessoa caia bruscamente no chão;
- tente colocar a pessoa deitada de costas, em lugar seguro e com a cabeça protegida com algo macio (pode ser uma almofada, um travesseiro ou até mesmo um casaco enrolado);
- acomode a cabeça voltada para o lado para evitar o sufocamento com saliva ou vômito;
- não impeça os movimentos da pessoa, deixa-a debater-se e retire do local objetos que possam causar ferimentos;
- não tente colocar nenhum objeto na boca da pessoa durante a convulsão;
- se possível cronometre o tempo de duração da convulsão;
- quando a crise passar, deixe a pessoa recuperar a consciência e descansar;
- se a crise convulsiva durar mais de 5 minutos sem sinais de melhora, peça ajuda médica.
FONTE: ALEP
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