Assim que acabou a 2ª Guerra Mundial, o bispo Dom Geraldo de Proença Sigaud escreveu uma carta para o Vaticano. Ele queria a indicação de um arquiteto para projetar igrejas na jovem diocese de Jacarezinho, no norte do Paraná; uma das maiores do Brasil em extensão territorial. Exigente, o prelado não queria um profissional qualquer. Era imprescindível que os trabalhos fossem feitos de acordo com as recomendações da Santa Sé.
"É preciso dizer que não foi um simples 'capricho' do bispo. Naquela época havia uma espécie de normativa que dizia que a construção de templos católicos não só deveria seguir alguns critérios mas, se possível, contar com algum engenheiro ou arquiteto autorizado pelo Vaticano, dada a complexidade e o simbolismo das obras", explica o padre Jefferson da Luz Bonifácio, pós-graduado em Espaço Litúrgico e membro do clero da diocese de Jacarezinho.
Fachada do Seminário Nossa Senhora da Assunção de Jacarezinho, desenhada por Bartolomeo Giavina-Bianchi. |
O convidado para a missão foi o italiano Bartolomeo Giavina-Bianchi; engenheiro, doutor em arquitetura pelo Instituto de Arquitetura Valentino de Turim, em 1932 , e especialista em arte sacra. Experiente, Giavina-Bianchi já era conhecido na Itália por trabalhar na restauração de igrejas, como o Oratório dos Santos Apóstolos Tiago e Felipe, que data do século XI e está localizado em Stresa (norte da Itália), próximo à fronteira com a Suíça. "Meu avô era natural de Turim, mas sua família é originária de Levo, um pequeno povoado pertencente à comuna de Stresa. Durante a 2ª Guerra, no exército, ele trabalhou restaurando pontes destruídas pelos bombardeios. O convite para vir ao Brasil chegou num momento difícil; no pós-guerra. Era um tempo em que muitas pessoas estavam desempregadas na Itália", conta João Guilherme Néia Giavina-Bianchi, neto de Bartolomeo e responsável pelo arquivo pessoal do arquiteto.
"Ele chegou a Jacarezinho em 1948, com 40 anos de idade. Veio com a ideia de ficar um ano apenas e, por isso, deixou a esposa e os cinco filhos na Itália", complementa o neto.
Ao final do período estipulado para a permanência no Brasil, Bartolomeo mudou de ideia quanto a voltar para a Europa. Encantado com o país e com muito trabalho em vista, ele decidiu vender algumas propriedades na Itália e trazer a família toda para junto dele. E assim, o italiano que cruzou o Atlântico para ficar apenas 12 meses, viveu por 53 anos em Jacarezinho.
Igreja dos Santos Apóstolos Tiago e Felipe, em Levo, comuna de Stresa, norte da Itália. A construção data do século XI e foi restaurada por Bartolomeo Giavina Bianchi em 1944 |
Giavina-Bianchi e a Catedral de Jacarezinho
Contratado pelo bispado de Jacarezinho, um dos primeiros trabalhos do arquiteto italiano foi na construção da nova catedral diocesana. Embora não tenha sido o autor do projeto arquitetônico, Giavina-Bianchi trabalhou ativamente na obra. O projeto inicial da catedral é de autoria do arquiteto paulista Benedito Calixto Neto; o mesmo que anos mais tarde faria o projeto da Basílica Nacional de Aparecida.
Acredita-se que Giavina-Bianchi tenha coordenado os trabalhos na catedral logo após Dom Geraldo romper o contrato feito com Benedito Calixto. Bartolomeo teria ficado à frente da construção pelo menos até o início dos anos 50, quando o pintor e arquiteto Eugênio Sigaud (irmão de Dom Geraldo) chegou a Jacarezinho para trabalhar na obra. Essa hipótese é defendida por Tobias Bonk Machado, arquiteto sacro e um dos responsáveis pelo restauro da Catedral de Jacarezinho, previsto para ser concluído em 2026, ano do centenário da diocese.
"Eu acredito que, como ele foi contratado para atuar como engenheiro e arquiteto da diocese de Jacarezinho no momento em que a catedral estava sendo construída, todas as questões relativas à obra passavam por ele. Era ele quem tinha que resolver", explica Machado.
Santuário Divino Espírito Santo, em Ribeirão do Pinhal. Primeiro projeto de uma Igreja feito por Bartolomeo Giavina-Bianchi executado na Diocese de Jacarezinho.(Foto: Família Giavina-Bianchi) |
João Guilherme, neto de Giavina-Bianchi, confirma a teoria de Machado e aponta algumas das alterações que o avô teria feito no decorrer da obra. "Ele foi determinante em algumas mudanças. No projeto original, por exemplo, a ideia era de que a cripta da catedral fosse construída sob o Altar mor da Igreja. Mas, por razões técnicas, ele mudou o local da cripta para baixo da capela do Santíssimo, onde se encontra até hoje. Além disso, também por razões técnicas, ele teve de refazer os cálculos das esquadrias onde seriam colocados os vitrais".
Ao mesmo tempo em que trabalhava na catedral, Bartolomeo tocava outros projetos em Jacarezinho. Duas das principais obras arquitetônicas da cidade, o Seminário da Assunção e a Escola Imaculada Conceição, levam a sua assinatura desde o projeto original até a execução das obras.
Igrejas
A primeira Igreja desenhada por Bartolomeo Giavina-Bianchi na diocese de Jacarezinho foi a matriz de Ribeirão do Pinhal (Santuário Divino Espírito Santo), em 1952. Ele também foi o responsável pelos projetos da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, em Abatiá (PR), considerada uma das mais belas da região, e da Paróquia São Sebastião, em Wenceslau Braz (PR).
Giavina-Bianchi projetou ainda igrejas em Nova Fátima(PR), Curiúva (PR), Sertaneja(PR), e Jataizinho(PR). Cidades que, na época, também pertenciam à diocese de Jacarezinho.
O trabalho do arquiteto italiano, no entanto, não se limitou apenas à diocese de Jacarezinho. Giavina-Bianchi também projetou igrejas em Maringá, Alvorada do Sul, Ibiporã, Jandaia do Sul, Arapongas, Apucarana, Colorado, e várias outras cidades do Paraná. No Estado de São Paulo é dele o projeto do Santuário Nossa Senhora de Guadalupe e do Seminário Josefino, em Ourinhos; e da Catedral de Assis.
"Meu avô desenhou mais de 200 igrejas. Além disso ele fez projetos para a construção de seminários, casas paroquiais, escolas e coretos em diversas cidades", relata João Guilherme.
Nem todos os projetos desenhados por Giavina-Bianchi, porém, saíram do papel. Como esses projetos tinham um alto custo, muitos não foram executados. Outros, por razões que não necessariamente tivessem a ver com dinheiro, acabaram modificados. O anteprojeto da igreja matriz de Apucarana, que mais tarde seria a catedral, é um exemplo.
Quanto ao estilo e a técnica de Bartolomeo Giavina Bianchi, Tobias Bonk Machado destacou as qualidades do italiano. "Bianchi foi um arquiteto de expressão. Ao olhar a sua produção, é notório que ele não apenas tinha bons traços, como também apresentava um conceito muito claro do que estava fazendo", explica.
"Uma das coisas que chama a atenção na produção de Bartolomeo Giavina-Bianchi, é que ele realmente projetava de uma maneira muito consciente das necessidades da Igreja. E essa consciência é muito importante, porque muitas obras da arquitetura sacra no Brasil não apresentam mais essa consciência de que a pessoa, ao entrar numa igreja, deve encontrar um ambiente que favoreça o silêncio, a introspecção e a oração. As obras de Giavina-Bianchi mostram essa preocupação. Sem dúvida, ele era um excelente arquiteto", complementa Machado.
Especialistas afirmam que Giavina-Bianchi também traz em suas obras características de pioneirismo na arquitetura nacional. Eles citam como exemplo a igreja matriz de Florestópolis(PR), em que o arquiteto italiano usa contrastes policrômicos em preto e branco nos mármores de revestimento da igreja, o que faz lembrar os monumentos sacros de Pisa, na Itália. Eles também destacam a precisão dos projetos. Todo o trabalho do arquiteto, sobretudo na década de 1950, é feito manualmente usando tecnígrafo e máquina de calcular com manivela para elaborar desenhos e cálculos.
Maria Tereza Maffioli Giavina-Bianchi, esposa de Bartolomeo, e os cinco filhos do casal. Luigi, Giovanni, Pietro, Giuliano e Massimo. (Foto: Família Giavina-Bianchi). |
Os Últimos Anos
O último trabalho de Giavina-Bianchi foi para a construção da igreja matriz e futura catedral de Cascavel, no oeste do Paraná. O projeto, no entanto, não saiu do papel, e foi substituído pelo do arquiteto carioca Gustavo Gama Monteiro, considerado mais modernista na época.
Em meados da década de 1970, Bartolomeo Giavina-Bianchi se aposentou. Ao todo, foram mais de 30 anos dedicados à arquitetura sacra no Brasil. Completamente adaptado ao país, escolheu passar os últimos anos vivendo na cidade que o acolheu. "Meu avô gostava muito daqui. Tanto que se naturalizou brasileiro. Mesmo assim, a cada dois anos ele viajava para a Itália, para rever os parentes. Ele viajou até 1990, depois parou por causa da idade avançada", conta João Guilherme.
Na rua onde morava, no centro de Jacarezinho, os vizinhos o conheciam como Dr. Giavina. Um homem gentil, com forte sotaque italiano, e que gostava de fumar cachimbo e passear com Brasão, o cachorro de estimação que ele chamava de "Brason", por causa do sotaque. O engenheiro eletrônico aposentado, Walmyr Telles Buzatto, viveu parte da infância em Jacarezinho. Ele foi vizinho de Giavina-Bianchi, e faz questão de destacar a inteligência do arquiteto.
"Conhecia um pouco, ou muito, de tudo. Plantas, desenho, escultura. Ele me ensinou a montar um 'radinho' de galena com o qual eu escutava a Rádio Jacarezinho na calada da noite. Não usava pilha. Apenas a energia proveniente da antena. Tenho este 'radinho' até hoje. Também aprendi com ele sobre aquarismo e outras artes e hobbies", conta.
A família Buzatto deixou Jacarezinho em 1968. Mas Walmyr, que tinha o "Dr. Giavina" como segundo um pai, sempre recordou com carinho daquele tempo de convivência e aprendizado. "Foi em grande parte influência dele eu ter decidido cursar engenharia eletrônica. Teria sido sua influência, igualmente, se eu tivesse decidido fazer artes ou agronomia", reconhece.
Bartolomeo foi casado com Maria Tereza Maffioli Giavina-Bianchi. Tiveram cinco filhos. Todos seguiram os passos do pai. Quatro se formaram em engenharia e um, Giovanni Antonio, em arquitetura. Ele era o segundo filho, e foi o único que continuou morando em Jacarezinho. Giovanni Antonio Giavina-Bianchi também ficou conhecido na cidade por ser um dos fundadores da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Jacarezinho (atual UENP). Ele e o pai trabalharam juntos em vários projetos, como na Catedral de Assis (SP).
Em 1988, Maria Tereza Maffioli Giavina-Bianchi morreu em São Paulo, onde se tratava de um câncer. Em 1999, Bartolomeo recebeu uma homenagem do CREA-PR (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura) pelos relevantes serviços prestados à arquitetura paranaense.
Um ano depois, em agosto de 2000, a morte do filho Giovanni Antonio aos 61 anos, e também vitimado por um câncer, abalou Giavina-Bianchi.
"Depois que meu pai morreu a saúde do meu avô definhou. Ele ficou muito triste com a perda e entrou numa depressão profunda. Ele morreu nove meses após a morte do meu pai", disse João Guilherme.
Bartolomeo Giavina-Bianchi morreu no dia 13 de fevereiro de 2001, em Jacarezinho. Ele tinha 93 anos. Três dos cinco filhos do arquiteto ainda estão vivos: Luigi, Giuliano e Massimo. Todos vivem em São Paulo-SP. Pietro, o terceiro filho, morreu no ano passado. A víuva de Giovanni Antonio, e alguns dos netos e bisnetos do arquiteto ainda vivem em Jacarezinho.
Hoje em dia poucos sabem quem foi Bartolomeo Giavina-Bianchi. No entanto, é difícil encontrar pelas ruas das cidades onde ele trabalhou alguém que não conheça pelo menos uma de suas obras. O homem que desenhava igrejas também as transformou em algo concreto. E, com isso, deixou um importante legado não só para a arquitetura do norte do Paraná, mas também para o sul do Estado de São Paulo.
FONTE: JORNALISTA FABIANO OLIVEIRA
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