Rogério Antônio Lopes
As
mortes ocorridas no incêndio da boate Kiss em Santa Maria/RS, nos
deixa várias lições, disso não há dúvidas, a questão é se aprenderemos algo com
isso, porque até agora as grandes tragédias não só foram ignoradas mas de certo
modo “incentivadas”.
As
causas mediatas desse tipo de evento (que de fatalidade não tem absolutamente
nada – trata-se de mais uma “tragédia anunciada” dentre tantas) encontra
resposta em duas vertentes distintas: pública e privada, na seara pública estão
as autoridades que em razão da “insuficiência administrativa” ou do excessivo
apego à burocracia ineficaz, deixam passar detalhes importantes na elaboração
dos projetos ou na avaliação dos ambientes, no setor privado encontram-se os
empresários que não pensam muito em segurança, acreditando que problemas graves
como incêndios sempre atingirão o vizinho.
Somados
esses dois perfis, criam ambientes “diabolicamente” elaborados para a
ocorrência do caos, neles alegria e tragédia são faces da mesma moeda.
Em
inusitado prenúncio no ano de 1978, o gaúcho Hermes de Aquino orava a Santa
Maria pedindo que ela nos protegesse dos seres humanos “senhores dos planos”.
Na
verdade, essas tragédias são raríssimas, levando-se em conta a quantidade de
detalhes legais e operacionais que são negligenciados, principalmente nas
boates, porque nas baladas, diferentemente dos teatros, igrejas e outros
ambientes públicos, os indivíduos (em sua grande maioria) já chegam
embriagados, e isso potencializa qualquer olhar mal interpretado, prova disso
(por exemplo) são os confrontos rotineiros entre seguranças despreparados e
clientes alterados resultando em lesões e mortes.
A
junção desses “ingredientes” protagonizam tragédias como essa praticamente o tempo
todo, a única diferença, é que em Santa Maria morreram dezenas de pessoas de uma só
vez (em sua maioria jovens na faixa dos vinte anos), isso deu ao fato extrema
visibilidade, mas para os pais que tem perdido seus filhos em outras “baladas”
a dor é a mesma.
A
imprensa principalmente, tem dado grande ênfase à fiscalização, aos alvarás,
como se isso fosse decisivo na resolução desse tipo de tragédia, não é, mais
importante é a conscientização do empresário na consecução do seu negócio e na
responsabilidade assumida, a fiscalização é apenas (ou deveria ser) um plus,
uma mera formalidade, mais em nível de orientação que efetiva punibilidade.
Agora
se fecha milhares de “casas noturnas” pelo Brasil, logo um novo fato desviará
os olhares da imprensa para outras paragens e a tragédia de Santa Maria só será
lembrada, como é agora a tragédia do Circo Norte-Americano ocorrida no ano de
1961, isso me causa um relativo desconsolo e uma efetiva certeza, a de que não
aprenderemos nada, novas tragédias virão (não por fatalidade, mas por falta de
zelo e de responsabilidade) vidas serão ceifadas, alguns “bodes” expiados, e
tudo continuará como antes.
Isso
pode parecer nada otimista e não é mesmo, afinal em um pais onde se constrói um
prédio com areia da praia e “ninguém” vê, não é de se esperar que um alvará
seja emitido no prazo ou que o segurança da boate permita que o cliente saia
sem pagar a comanda, mesmo que o prédio esteja literalmente pegando fogo.
Rogério Antônio Lopes é delegado da Polícia
Civil
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