O
clube mais tradicional do Norte Pioneiro é filho do golpe militar de 1964. “Foi
meu pai [comendador Luiz Meneghel] quem fundou o time. Era época da meia
revolução, o povo precisava dar risada. Então o Guarani, que disputava o
Campeonato Paranaense, se fundiu com o time da usina [Usiban, de propriedade da
família Meneghel] e surgiu o União Bandeirante”, explica Serafim Meneghel, 80
anos de idade, quatro décadas à frente do time alvinegro com o rosto de um
fazendeiro bordado no escudo, que revelou grandes jogadores e protagonizou
inúmeras edições do Estadual. Foi vice-campeão cinco vezes. A contribuição para
o folclore do futebol paranaense, porém, é maior ainda, quase sempre com o seu
presidente mais longevo como personagem central.
“O
pessoal chamava ele de Tigrão. Sabe por quê?”, pergunta Nardo, vice-campeão em
1989 (como goleiro) e 1992 (preparador de goleiros). “Tinha uma grade ali na
beira do gramado [aponta para o outro lado do Estádio Comendador Meneghel].
Começava o jogo, ele ficava andando de um lado para o outro, bufando, o pessoal
dizia que parecia um tigre enjaulado”, prossegue o ex-jogador, rindo.
Um
Tigrão de muitas histórias e raras entrevistas, que recebeu a reportagem da
Gazeta do Povo há dez dias, na Fazenda 3M, em Cambará, antiga propriedade de
Sueo Matsubara. Ele ainda assimilava a morte do irmão mais velho e eterno
vice-presidente do União, Paulo Meneghel, 90 anos, no dia 1º de janeiro. Ainda
assim, por mais de uma hora, falou das histórias e lendas do clube mais forte
que o Norte Pioneiro já teve.
Por
que o União acabou?
Eu
era o baluarte da família. Saí da administração da usina em 2003 e vim cuidar
dos meus negócios. Toquei o clube sozinho por mais dois anos, gastei R$ 1,5
milhão. Aí tem a família, os agregados... Um gosta de futebol, outro não gosta;
quando fala de por a mão no bolso ninguém gosta e resolvemos fechar. Poderíamos
ter vendido os jogadores, mas demos o passe e ainda assim alguns foram à
Justiça. Pagamos todos. Não devemos nada para ninguém.
O
time nunca recebeu ajuda externa?
Nunca.
Os times eram montados e dirigidos exclusivamente pela família. O União foi
vice-campeão paranaense cinco vezes. Em 92, que nós fomos vice-campeões em
Londrina, se eu estou no banco, sou campeão.
Por
quê?
Naquela
época não tinha acréscimo, dava 45 minutos e acabava. Eu ia invadir o campo e
acabou, não quero nem saber.
NOTA
DA REDAÇÃO: O União vencia o segundo jogo por 2 a 1, resultado que lhe daria
o título, e cedeu o empate nos acréscimos, o que provocou o terceiro jogo. O
Londrina venceu a partida seguinte e sagrou-se campeão.
Foi o vice mais doloroso?
Fomos
muito roubados. Em 92, quebramos a série do Paraná [campeão em 1991 e de 93 a 97]. Eles não queriam
jogar no interior, queriam jogar em Curitiba [na semifinal]. Falei: ‘Vamos lá
que nós vamos ganhar lá mesmo’. Metemos três neles. Futebol é no campo, o resto
é frescura.
Os clubes tinham medo de jogar em
Bandeirantes?
Não
era medo, é que eu nunca gostei de perder. Eu incentivava, mas sem agredir
ninguém. Acabava o jogo, o melhor ganhou, cumprimentava e acabou. Esporte é
dentro do campo. Fora, os dirigentes são um bicho. Não vá pensar que o União
afinava. Podia ser em Curitiba, em qualquer lugar. Se fosse para o pau, ia para
o pau mesmo. Não tinha esse negócio de se acovardar.
Invadiu muito o gramado?
Eu
ficava mais suspenso do que no campo [risos]. Eu não gostava de perder. Se o
meu time não jogasse direito, eu multava. E cansei de dar bicho quando tinha
perdido e o juiz metido a mão. Nunca proibi de tomar cerveja. Acabava o jogo,
ia jantar e perguntava quem queria tomar cerveja. Não adianta falar não. Depois
ele vai encher o rabo no boteco.
Existe muita lenda em torno do senhor.
A história do tiro na bola para não deixar bater um pênalti contra o União é
verídica?
[risos]
É brincadeira de um amigo meu, José Carlos Malucelli. Eu estava em Curitiba e
ele disse: ‘Vou falar que você deu um tiro na bola’. Falei: ‘Para com isso’. E
de fato ele fez [risos]. É como aquela da dupla caipira, Paquito e Tião Abatiá,
que foi a cavalo de Bandeirantes até Curitiba. É história. Cheguei um dia em
Salvador, fui fazer a ficha no hotel. O rapaz olhava na ficha e em mim. Até que ele
perguntou: ‘Foi o senhor que deu um tiro na bola?’ [risos].
Por que o futebol da região acabou?
O
futebol hoje é caro. Você pega um moleque de 13, 14 anos, faz o jogador. Aí
quando ele completa 17, 18 anos, chega um Zé das Contas, dá uma geladeira e uma
televisão para os pais e assina uma procuração para representar o jogador. O
que acontece? O clube fica vendo navio.
Pensa em reativar o clube?
Tô
com oitenta anos, filho! Não sou mais criança! Não dá mais! Aqueles que
ajudavam estão todos velhos, um bagaço. Vai largar na mão dessa molecada que
não sabe nem entrar na Federação? O homem tem de se impor. A gente ia em
reunião, ficava ouvindo e quando precisava falar, a gente falava. Manda um pé
de macaco lá, mandam ficar quieto, ele vai ficar quieto e acabou.
Comenta-se que o Nilmar (atacante da
seleção nascido na cidade) e o Fábio (goleiro do Cruzeiro, cuja mulher mora em
Bandeirantes) procuraram o senhor para assumir o União.
Mentira.
Veio um empresário aí da cidade para fazer uma parceria. Dou o campo, dou tudo,
mas não com o meu nome no meio. Aí dá alguma coisa errada e vai estourar tudo em
cima de mim. Não vou assinar um documento por 18 anos com ninguém. Tem que ter
dinheiro. Não adianta falar em 200 mil, 500 mil, 1 milhão, isso aí dá para
refrescar. O Nilmar e o Fábio... Mesmo que eles façam jogador e tenha
empresário que venda, tem de estar em cima. Eles jogando lá e outro tomando conta,
quebra.
Valeram a pena esses 40 anos?
O
União foi uma das coisas boas da minha vida. Conhecemos pessoas boas, tanto de
graduação alta como um operário. Jogadores nunca nos decepcionaram, quando
passam por aqui vêm me visitar, me dar um abraço. Eu sou um homem meio popular,
o esporte me levou lá em
cima. Gosto daquilo que faço. Sou um homem rico que não tem
inimigo. Família bonita, casado há 57 anos com a mesma mulher, três filhos,
oito netos, cinco bisnetos. O que eu quero mais? Só devo agradecer a Deus. Se
eu tivesse bastante dinheiro, ainda tocava o União uns cinco anos.
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