Havia
mais de duas décadas que Pedro Chueiri não entrava no Estádio Pedro Vilela. Por
isso ele para imediatamente após subir o caminho de grama que permite ter a
visão completa do terreno. Olha com atenção para cada detalhe, com um brilho
que parece projetar uma realidade que não existe mais. Torcedores de calça
comprida e camisa disputando um lugar no concorrido alambrado; crianças
correndo pelo espaço entre o campo e as arquibancadas cobertas, ocupadas pelos
endinheirados da cidade; homens animados se divertindo no bar elevado que dá
visão às quatro linhas; a iluminação inaugurada pelo Flamengo de Dida; o
esquadrão de camisa tricolor igual à do São Paulo, em mais uma renhida batalha
contra o Coritiba.
“Era
um tempo bom. Dá saudade”, suspira o senhor de 87 anos, testemunha e personagem
fundamental de toda a história no profissionalismo do primeiro grande time
formado no Norte Pioneiro, a Associação Esportiva de Jacarezinho.
Pedro
Chueiri chegou à cidade em 1928 com a família, vinda do interior de Minas
Gerais. Da casa de esquina toda feita em madeira, que ele até hoje divide com
uma irmã, passou quase metade da vida descendo cinco quarteirões em direção ao
estádio. Nos anos 40, era jogador do time amador que assombrava os gramados da
região. Na década seguinte, diretor de futebol, passou a ser o responsável por
montar os times que encaravam olhos nos olhos os grandes da capital. “Lá no
interior de São Paulo buscar jogadores que se destacavam. Todos eles conheciam
a Esportiva”, conta, orgulhoso.
A
exemplo dos milhões de pés de café que garantiram sua existência, a Esportiva
teve vida útil de duas décadas. As melhores safras foram logo nos primeiros
anos, entre 1950 e 1954. Neste período, foi vice-campeã duas vezes, terceira
colocada outras duas e perdeu apenas 4 das 44 partidas oficiais como mandante.
Números que ganham ainda mais relevo diante da complicada logística da época.
Com quase todos os adversários sediados em Curitiba, jogar fora de casa exigia
enfrentar viagem de quase um dia inteiro, atravessando uma estrada parcialmente
de terra. Dificuldade amenizada pelo suporte financeiro que os jogadores
recebiam.
“A
economia de Jacarezinho era muito forte graças ao café. Até hoje você anda
pela cidade e encontra grandes armazéns abandonados que eram usados para
estocagem. Os fazendeiros ajudavam a manter o time e a arrumar emprego para os
jogadores. Muitos trabalhavam na prefeitura ou eram policiais”, conta o
advogado Celso Rossi, de 77 anos, dono de amplo acervo e de dois sites que
preservam a memória da cidade.
Rossi
garante ter assistido a todos os jogos da Esportiva no Pedro Vilela que foi
possível. No período em que morou em Curitiba, para cursar Direito na UFPR,
recorria ao telefone e aos conterrâneos de Jacarezinho que estudavam na capital
para saber os resultados. A união no exílio era apenas uma extensão da comunhão
única provocada na cidade pelo time de futebol.
“A
Esportiva foi a única coisa que existiu em Jacarezinho que conseguiu unir a
cidade inteira, manter todo mundo do mesmo lado”, diz Rossi, que lembra com
clareza da mobilização nos dias de jogos. “Começava logo cedo, com todo mundo
se preparando para ir ao estádio e depois indo acompanhar o time”, complementa.
Devoção
que se reflete na lembrança de dois dos momentos mais trágicos, envolvendo dois
ídolos do time. Em 1944, durante um amistoso com o Britânia, em Curitiba, o
jogador Babãozinho sofreu uma cama de gato de um adversário, quebrou o pescoço
ao cair no gramado e morreu. Como não havia uma emissora de rádio em
Jacarezinho, o acidente foi comunicado pelo serviço de alto-falante do Cine
Éden, o principal da cidade, responsável também por transmitir as partidas da
Esportiva. “Curitiba parou para acompanhar o enterro e o caixão atravessou a
Rua XV com o comércio de portas fechadas. Muita gente saiu de Jacarezinho para
se despedir do Babãozinho”, relembra Rossi.
A
outra tragédia ocorreu em 1958, com o maior ídolo do clube, o goleiro Muca.
Nascido na cidade e titular na melhor fase do time, ele parou logo após casar e
deixar a Portuguesa de Desportos. Fixou-se em Jacarezinho para cuidar da
fazenda do sogro. “Dois peões se desentenderam durante uma festa, ele foi
apartar e levou uma facada na virilha. Sangrou até morrer”, relata Chueiri.
Na
virada para os anos 60, a
Esportiva perdeu a hegemonia da região para o Comercial, de Cornélio
Procópio, campeão de 1961. A
unificação do Campeonato Paranaense, em 1965, resgatou as dificuldades de
deslocamento. O clube suportou apenas uma edição atravessando o estado de Norte
a Sul. Sem o dinheiro do café, já em declínio, o alívio das horas de estrada
vinha do samba.
“A
gente levava instrumento, batia na lataria, batucava o que estivesse à mão”,
conta Mourão, que chegou em 1961 do interior de São Paulo como meio-campista,
“só não jogou de goleiro e zagueiro central” e, nos últimos 30 anos, é um dos
responsáveis por organizar o carnaval de rua da cidade.
A
Esportiva encerrou as atividades em 1970, ano em que Mourão organizou
pela primeira vez o carnaval. Nas décadas de 1990 e 2000, a cidade ensaiou
retornos malsucedidos aos gramados. “Não tem investimento e quem poderia
investir não quer”, critica o ex-jogador, hoje funcionário público, em alusão à
maior empresa da cidade, a Companhia Agrícola Usina Jacarezinho.
A
exemplo da maioria dos pés de café, o futebol em Jacarezinho esgotou sua
produtividade depois de 20 anos. Deixou apenas a história e as lembranças que
Pedro Chueiri projeta na sua memória enquanto observa o abandonado Estádio
Pedro Vilela.
FONTE: Gazeta do Povo
Show de Matéria !!!
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