Cornélio
Procópio nunca viu carnaval como o daquele fevereiro de 1962. “Eram os 11 em
cima da caminhonete e uma fileira de carros, soltando foguete e buzinando.
Viramos atrás da estátua do Cristo, demos a volta na cidade inteira”, conta o
ex-lateral-direito Dirceu Funari, hoje com 81 anos. Ele era o capitão dos 11. O
maior time que a cidade já teve. O único time do Norte Pioneiro campeão
estadual. O Comercial de 1961.
Dirceu
Funari chegou a Cornélio Procópio após uma grande decepção. Paulista de Assis e
palmeirense desde a infância, ele teve a oportunidade de defender o time do
coração por três meses. Não vingou no Palestra Itália e aceitou a proposta do
Comercial. Era a chance de ficar a apenas 115 quilômetros de
casa e seguir jogando bola. Além do time, daria expediente na agência local do
Banco Comercial do Paraná. Chegou em 1957. Jogou, sempre como capitão, até
1965, quando o clube encerrou as atividades. Fez a carreira no Comercial e a
vida em Cornélio, onde tem uma loja de extintores e material de ferragem que
administra junto com a filha. No mesmo terreno funciona o escritório de
engenharia do filho, também dono de um bar temático de futebol, o Charles Miller.
“O
salário do Comercial eu usava para as despesas do mês. O do banco eu guardava.
Graças a isso consegui juntar dinheiro para comprar esse terreno”, conta,
orgulhoso, em um exemplo de autogestão de carreira de dar inveja a muitos
boleiros de alto nível dos dias atuais.
Jogar
no Comercial ajudava a reduzir gastos. Os fazendeiros e comerciantes que
bancavam o time davam, constumeiramente, presentes, prêmios em dinheiro, café,
milho e tudo mais que saísse da lavoura. “Quase não andava a pé na rua. Saía de
casa e já aparecia um para oferecer carona”, diverte-se Pedrinho, o outro
lateral do time, de 79 anos.
Os
privilégios na cidade contrastavam com as dificuldades típicas do futebol da
época. Os arcaicos treinamentos físicos exigiam dos jogadores correr pelo
gramado com um companheiro nas costas, subir e descer arquibancadas, fazer
exercícios com pesadas bolas recheadas de areia. “Mas chegava no jogo,
corríamos do início ao fim”, ressalta Pedrinho.
Viajar
também era um suplício proporcional à distância. Em setembro de 1962, o time
encarou uma viagem de mais de 800 quilômetros, estradas de terra e uma
travessia de balsa para chegar a Criciúma, onde enfrentaria o Metropol, pela
Taça Brasil. Perdeu por 2 a
1 em Santa Catarina,
empatou por 1 a
1 em casa e foi eliminado.
“Eles
viajaram de jardineira, comendo sanduíche e tomando chá”, conta Waurides
Brevilheri, 73 anos, narrador e dono da Rádio Cornélio.
Brevilheri
transmitiu os dois maiores títulos da história do clube, campeão da Zona Norte
de 1958 e Estadual de 1961, após vencer o triangular, no início do ano
seguinte, contra Esportiva de Jacarezinho e Operário. Também acompanhou o
declínio do futebol na cidade, a partir da segunda metade dos anos 60.
Movimento iniciado pelo desmanche gradativo do time e reforçado pelo
enfraquecimento econômico.
“Cornélio
Procópio era a capital mundial do café. A geada queimou o café nos anos 60 e em
1975, acabou tudo. Os produtores trocaram o café por soja e milho. Antes, com a
população das fazendas, a cidade chegou a ter 70 mil habitantes, hoje são 46
mil. Não ficou ninguém na zona rural. O êxodo foi muito grande”, explica
Brevilheri.
Êxodo
rural, financeiro e esportivo. O Comercial encerrou as atividades no
profissionalismo em 1965, último ano antes da unificação do Estadual. A partir
daí, a cidade entrou no ciclo comum a quase todo o Norte Pioneiro: investidas
descontinuídas com resultados inexpressivos. Sem o dinheiro da lavoura, o
financiamento dependia invariavelmente da simpatia do prefeito com o futebol,
isso em um período pré-Lei de Responsabilidade.
A
experiência mais duradoura ocorreu com o 9 de Julho, em dois tiros: o primeiro,
entre 1975 e 1979; o segundo, de 1988
a 1991. Os momentos de maior glória foram o nono lugar
de 78 e a vitória por 1 a
0 sobre o Coritiba, no dia 13 de outubro de 1991. “O estádio estava lotado. Foi
a única derrota do Coritiba na cidade. Teve até incentivo do Atlético para
vencer o jogo”, conta Ailton Dias, o Mandioca, faz-tudo do 9 de Julho e técnico
no jogo histórico.
O
Comercial ainda teve dois retornos entre os anos 1990 e 2000. A despedida em
torneios oficiais ocorreu em 2006, na Segunda Divisão.
Mandioca
tenta uma volta do 9 de Julho para a Terceira Divisão. Funcionário da
prefeitura, conta com a ajuda do poder público para transporte, alojamento e
alimentação. Com o empresariado pretende buscar o investimento para contratar
jogadores e manter a equipe. Uma equação difícil em uma cidade que se acostumou
a ver futebol pela TV. Dificilmente Cornélio Procópio voltará a ver outro
carnaval com o de fevereiro de 1962.
FONTE: Jornal Gazeta do Povo
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