“O
futebol daqui está morto.” As duras palavras saem com naturalidade da boca que
mais deu ordens nos gramados da região. Serafim Meneghel comandou o União
Bandeirante por quatro décadas. Hoje, é testemunha de um futebol que não existe
mais. Casa de equipes que, por meio século, desafiaram os grandes do estado, o
Norte Pioneiro tornou-se um cemitério de clubes. Uma a uma, as forças da região
foram fechando as portas. Algumas tentaram voltar em versões genéricas,
enfraquecidas e de curta duração.
A
última incursão no profissionalismo resume bem a situação. Com um histórico
rico no amador, o União Nova Fátima, instigado por empresários paulistas,
inscreveu-se na Terceirona do ano passado. Sem estádio e sem dinheiro, desistiu
no meio da competição. Fora da elite desde 2007, o Norte Pioneiro não deve ter
representante também nas duas divisões de acesso do estado este ano. Ausência
registrada anteriormente apenas em 1955, 1957 e 2007.
Penúria
no futebol que reflete a pobreza dos municípios. Entre as dez mesorregiões do
Paraná, o Norte Pioneiro é a terceira mais pobre, segundo dados do Instituto
Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), com base no Censo
de 2010. Responsável por 3% do PIB paranaense, vive na contramão do estado:
é mais agrícola (22% do PIB) e menos industrializada (18%) que a média geral,
de 7% e 28%, respectivamente.
Espelho
da economia na pobreza e na riqueza. Os períodos de prosperidade, quase sempre
puxados pelo café, enchiam de dinheiro o bolso dos fazendeiros e os estádios de
torcedores e bons times. O primeiro clube a se aventurar no profissionalismo
foi a Esportiva de Jacarezinho, em 1950. Na época, a cidade era o centro da
produção cafeeira da região, sede de grandes fazendas com populosas vilas de
colonos, ainda guardando resquícios da escravidão.
“O
período entre o fim da Segunda Guerra e meados dos anos 60 é o auge do café na
região. Os fazendeiros investiam na montagem de times como lazer. Contratavam,
pagavam salário, davam bicho em mantimentos e pequenos objetos de luxo. Foi a
lógica do futebol em todo o Norte até os anos 70”, conta o professor de
História da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Rogério Ivano.
As
duas décadas áureas do café são também o período mais glorioso do futebol do
Norte Pioneiro. O ápice é em 1962, ano em que 12 equipes da região se inscrevem
no Campeonato Paranaense. Duas – Comercial, de Cornélio Procópio, e Esportiva
– chegam ao triangular final, contra o Operário. O Comercial leva pela primeira
e única vez o título para esta parte do estadol.
Além
da prosperidade econômica, o formato do Estadual estimulava a participação
de equipes. O torneio era dividido em regiões. Havia um grupo só do Norte Pioneiro. Com
acesso difícil a Curitiba – apenas parte da estrada era asfaltada –, os times
recorriam a São Paulo e Minas Gerais para buscar jogadores. “Eu rodava o
interior de São Paulo atrás de jogador e todos eles já tinham ouvido falar da
Esportiva”, orgulha-se Pedro Chueire, 87 anos, diretor de futebol durante toda
a existência do time de Jacarezinho. Potências nacionais como Palmeiras, São
Paulo, Santos, Corinthians e Flamengo rodavam os municípios em concorridos
amistosos.
O
declínio começou na segunda metade dos anos 60. A unificação do Estadual
encareceu o futebol e a queda do café tornou o dinheiro mais escasso. A geada
de 1975 foi o golpe final. “O excesso de produção tornava o plantio menos
vantajoso, havia muita concentração de terra e os cafezais já estavam velhos. A
grande geada foi o cataclisma, jogou a pá de cal no café”, explica Ivano.
Sobreviveram
apenas dois times de dono: o União Bandeirante, da família Meneghel, dona
de usina e fazendas de cana de açúcar, e o Matsubara, dos Matsubara, barões do
algodão. O clássico do Algodão Doce mantém o futebol vivo e forte no Norte
Pioneiro entre os anos 70 e 90, um duopólio quebrado apenas pela Platinense,
entre 1985 e 89.
A
exemplo do que aconteceu com o café, o cultivo de algodão minguou no estado. A
família Matsubara perdeu dinheiro e poder de investimento no time. A usina
Meneghel retirou o apoio ao União em 2004. Em um futebol mais caro, dominado
por empresários, os clubes resistiram pouco pelas próprias pernas.
“As
mudanças na economia e no futebol prejudicaram a região. Hoje o futebol vive de
marketing, e quem vai investir em uma região onde não se tem retorno de mídia
nem massa crítica?”, constata Norio Matsubara, filho de Sueo e herdeiro do clube
de Cambará. Herdeiro de um futebol que não existe mais.
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