Em 1889, havia somente 12 dioceses no Brasil, mas apenas 41 anos depois, o território do Estado brasileiro já era divido por 68 dioceses. O 7 de janeiro de 1890, quando é promulgado o decreto nº 119-A, que extinguia o Regime do Padroado no País, será determinante no processo denominado de “diocesanização” do catolicismo na Primeira República brasileira. Toda a contextura desse momento histórico que estava norteado por princípios de modernidade e que foram determinantes para, inclusive, a definição de territórios como o do Estado do Acre que passou a compor o território nacional apenas em 1903 por meio de negociação que foi mediada pela Igreja Católica com os vizinhos Bolívia e Peru, foram estudados pelo professor doutor Maurício de Aquino na tese: “Modernidade republicana e diocesanização do catolicismo no Brasil: a construção do bispado de Botucatu no sertão paulista (1890-1923)”.
Embora o papel da religião e da Igreja Católica na Primeira República não encontre espaço significativo nos livros da área, tais elementos são extremamente importantes para a constituição da História do Brasil da Primeira República e de seu território, acentua o professor. “Se não fosse o fim do Padroado, não haveria a criação de tantas dioceses no Estado Brasileiro naquele momento”. Essa movimentação da Santa Sé, explica Maurício, foi devido à necessidade de a Igreja ocupar territórios e chegar aos recantos civilizados mais longínquos, desmistificando a figura do bispo que era tido como um ser mítico, quase literário pela distância que mantinha do povo, pois daquele momento em diante, o Estado, embora sem a concessão da Igreja em seu discurso oficial, tornava-se laico.
O professor, que foi bolsista do CNPq por dois anos, fato que o possibilitou pesquisar no Arquivo Secreto Vaticano por 20 dias em outubro de 2011, comenta que a “diocesanização” do Brasil, entre os anos de 1890 e 1923, teve, além dos interesses eclesiásticos, ampla atenção do Estado, pois significava para este mais controle do território e a valorização mercantil de novas terras, status para cidade sede a qual atrairia colégios, paróquias e capital. Ele lembra que essa corrida por sediar uma diocese foi motivo para disputas políticas entre cidades e coronéis da época. Toda essa pesquisa do professor foi baseada em cartas, relatórios, correspondências, decretos e outros documentos do final do século XIX e início do XX, de arquivos do Brasil e do Vaticano.
Para os estudos que buscaram a reconstituição da história da diocese de Botucatu, o pesquisador propôs uma nova periodização da Primeira República, contrapondo-se a periodização convencional e política que vai de 1889 a 1930. O novo marco, definido por Maurício, segue dos anos de 1890 (fim do Padroado no Brasil) a 1922 e 1923, quando acontece a Semana de Arte Moderna, a fundação do Partido Comunista Brasileiro, a revolta do Movimento Tenentista no País, a morte do primeiro bispo de Botucatu, dom Lúcio Antunes de Souza, e a criação da revista Católica “A Ordem” e do Centro Dom Vital no Rio de Janeiro. O professor salienta que, com todos esses fatos históricos acontecendo quase simultaneamente, o Estado, que 30 anos após o fim do padroado voltaria a buscar apoio da Igreja para mediar a relação com a sociedade, vivia uma nova atmosfera sociopolítica que contestava os modelos oligárquicos das décadas anteriores.
Na tese, de 301 páginas que denota ainda que o Vaticano era muito bem informado sobre os fatos que acontecia no Brasil por meio dos núncios que relatavam todos os acontecimentos, o professor observou ainda uma forte influência, à época, da cultura Belle Époque, momento em que a elite do Brasil mantém com a França profunda ligação e que definirá no imaginário popular a cultura europeia como referência de civilização. Em uma parte do trabalho, Maurício lembra ainda que o Estado “Livre das amarras constitucionais do padroado, criou um novo campo de relações com as diferentes confissões religiosas, segundo os seus próprios interesses institucionais. Nesse contexto, a Igreja Católica Apostólica Romana, por sua vez, empreendeu um processo de reforma e reorganização eclesiástica cujo fulcro consistiu na criação de dioceses e jurisdições similares – um amplo e complexo processo territorial, político e discursivo ao qual se pode denominar ‘diocesanização’”.
Durante os cinco anos do doutorado, Maurício realizou pesquisas no Centro Cultural de Botucatu, Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo, Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Diamantina, na Paróquia de Águas de Santa Bárbara, Arquivo da Cúria de Botucatu, Arquivo Secreto Vaticano e do Colégio Pio Latino-americano de Roma. A banca de defesa da tese aconteceu na Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho (UNESP), campus Assis, no dia 21 de setembro deste ano. A banca avaliadora do trabalho foi composta pelos professores doutores Ivan Esperança Rocha - orientador (UNESP); Fernando Torres-Londoño (PUC-SP); Solange Ramos de Andrade (UEM); Andréa Lúcia Dorini de Oliveira C. Rossi (UNESP) e Ricardo Gião Bortolotti (UNESP).
Parte da tese foi publicada na Revista Brasileira de História da ANPUH, avaliada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) como A1, o mais elevado conceito atribuído pela Capes a uma publicação.
Maurício de Aquino
Doutor em História e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP, campus Assis. Maurício é natural da cidade de Ourinhos (SP) e professor Adjunto da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), campus Jacarezinho. Desenvolve atividades acadêmicas nas áreas de História do Brasil, História das Religiões e Fundamentos da Educação.
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