Ao se discutir (e trabalhar) Segurança Pública é imprescindível ter presente que trata-se de matéria multidisciplinar, encontrando na questão social seu conteúdo genérico e primário, o qual, via de regra, atua como indutor para a maioria dos problemas experimentados pela sociedade nessa seara.
A Guerra do Contestado, é um exemplo gritante dessa falta de visão (para não dizer outra coisa) dos líderes e políticos de cem anos atrás, a qual infelizmente continua atingindo parte considerável deles na atualidade, apesar das “novas ideias e propostas” pisadas e repisadas, (principalmente nas campanhas políticas atuais).
O evento conhecido como Guerra ou Campanha do Contestado, além de ter surgido da insensibilidade dos líderes políticos da época, é negligenciado como fato histórico (principalmente no Paraná) sendo muito acanhado fora dos meios acadêmicos.
Paraná e Santa Catarina disputavam juridicamente as terras localizadas no planalto meridional entre os rios do Peixe e Peperiguaçu, essa pendenga durou anos, até que em 1910 o Supremo dá ganho de causa a Santa Catarina.
Nesse contexto agrega-se a estrada de ferro São Paulo - Rio Grande do Sul, a qual foi construída pela empresa norte-americana Brazil Railway Company, de propriedade do conhecido americano Percival Farquhar (uma espécie de Barão do Rio Branco às avessas).
A empresa ganhou do governo quinze quilômetros de cada lado da ferrovia para explorar a madeira (uma fortuna). As pessoas que moravam ali por dezenas de anos, caboclos, quilombolas etc foram simplesmente descartadas, esse grave fator social adere ao incipiente caráter “fanático”/religioso, que é potencializado pelas milhares de famílias que ficam desempregadas com o fim da construção da ferrovia e também são abandonadas às suas margens.
Com esse cenário catastrófico montado pelo capital e “coronéis com força política” (a cem anos esse pessoal já fazia suas traquinagens), estava tudo pronto para a guerra, que começou formalmente a partir da investida da polícia do Paraná, comandada pelo Coronel João Gualberto em campos do Irani, no dia 22 de outubro de 1912.
Ali os paranaenses com cerca de sessenta policiais, enfrentaram aproximadamente duzentos caboclos com “espadas de pau” e acabaram perecendo, inclusive o comandante da tropa.
Dali para a frente vários outros confrontos foram verificados, inclusive com a participação do Exército (o Exército em conflitos de Segurança Pública também não é novidade das favelas do Rio - ou seja, a história “burramente” se repete), até que em 1916 o conflito se encerra com a morte de milhares de homens, mulheres, adolescentes e crianças.
Cem anos depois continuamos a discutir em Segurança Pública as mesmas causas e objetos tratados lá no Contestado (e o pior – na verdade desesperador - : praticamente sem avanço), das duas uma: ou conseguimos o “prodígio” de não aprendermos absolutamente nada em um século praticamente perdido, ou realmente somos “incompetentes” ao ponto de acreditar que excelência em Segurança Pública e guerra são a mesma coisa.
Rogério Antônio Lopes é delegado da Polícia Civil
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