A tecnologia e a mediocridade

Rogério Antônio Lopes
Outro dia, durante um mega show desses que a gente também vê na televisão, me flagrei pensando na tecnologia utilizada em tais eventos.
São iluminações maravilhosas, milhares de luzes e tons os mais variados. Máquinas de fumaça nos dão a impressão de que os artistas flutuam em “outra dimensão”.
Telões gigantes trazem cada detalhe do palco, a movimentação das mãos dos músicos e as expressões dos cantores são destacadas em cada semblante. Os ginásios de esporte já estão ficando pequenos para tantos equipamentos, procuram agora os estádios e as “pedreiras”.
Captadores diminutos simulam que o sujeito canta sem microfone e já não se vê fios pelo palco.
As estruturas metálicas grandiosas sustentam caixas de som em grandes alturas (melhora a qualidade e a amplitude dizem os técnicos) e o som dos subgraves atingem frequências que nossos ouvidos sequer conseguem identificar.
Aparelhos de última geração “turbinam a voz” as vozes de cantores questionáveis (...) e assim seguimos rumo à tecnologia total e ao talento medíocre.
Nem as duplas sertanejas ficaram fora desse nicho, pelo contrário, hoje impulsionam boa parte dele no embalo da new wave “sertanejo universitário”, que de sertanejo autêntico tem a mesma influência que o Tião Carreiro teve do Sergei. 
Até a década de 70 o Brasil tinha pouquíssimos ginásios de esporte e mesmo assim dificilmente eram utilizados para shows, esses aconteciam em outro espaço cultural já praticamente extinto: o circo de teatro. 
Eram pequenos circos que se aventuravam pelas cidades do interior do Brasil apresentando na primeira parte do espetáculo números tradicionais e na segunda parte uma peça de teatro ou o show de alguma dupla sertaneja.
A precariedade no país era tanta, que na Rádio Nacional de São Paulo (maior órgão de comunicação do gênero na época) o famoso locutor Edgar de Souza, anunciava por exemplo, que a dupla Brasão e Brasãozinho estaria no circo do Linguiça no dia tal “onde estiver”, ou seja, nem a dupla, o dono do circo e o locutor sabiam onde o show se daria .
Me lembro de uma passagem na cidade de Cambará-Pr , quando um circo recebeu a dupla Tonico e Tinoco. Chegaram de São Paulo em uma variant azul: o Tonico, o Tinoco, o empresário e o “casal” de viola e violão, aqueles “verde a amarelo”.
Havia tanta gente que foi preciso três sessões para que todos pudessem ver os famosos artistas. Dentro do circo se acotovelavam centenas de pessoas e no meio do picadeiro lá estava a dupla Coração do Brasil.
Não se ouvia um pio, apenas as vozes melodiosas, estridentes e incrivelmente bonitas.
A tecnologia ao mesmo tempo em que ajuda mascara, ao mesmo tempo em que embeleza tira a graça e ao mesmo tempo em que torna tudo grandioso tira o “tempero” é mais ou menos como aquelas mangas que a gente compra no sacolão: grandes, bonitas e coloridas  mas não tem cheiro e nem gosto.

Rogério Antônio Lopes é delegado da Polícia Civil
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